O que há para falar sobre calçadas, você deve estar se perguntando.
Se seu interesse por urbanismo for mínimo, então há muito para se falar sobre as calçadas na Alemanha.
Quando a gente vai de um país para outro, a gente percebe bem mais as coisas que incomodam, e às vezes você precisa voltar para o primeiro país para perceber algumas das coisas boas do outro. Na última vez que estive no Brasil, uma coisa que me incomodou muito foram as calçadas, e como é difícil ser pedestre em São Paulo. Ou melhor, como é confortável ser pedestre na Alemanha.
A primeira coisa que você talvez perceba passeando por uma cidade alemã é a grande quantidade de calçadões e areas só para pedestres (e bicicletas), especialmente nos centros históricos. Aliás, uma pequena observação antes de continuar: toda área exclusiva para pedestre é livre para bicicletas também, então sempre que eu disser pedestres pense pessoas e ciclistas.
É super comum que tenha um calçadão principal, bem grande, bem comprido, que também é a rua comercial mais importante da cidade. Em Dresden, é a Prager Straße, essa daqui:
Dá para ir quase só em áreas exclusivas para pedestres da estação central até o norte da cidade, a Neustadt. Você vai pela Prager Straße, segue pelas ruazinhas que levam à igreja principal, a Frauenkirche, continua por um calçadão-terraço ao longo do rio, cruza uma ponte que pode ser que em breve seja exclusiva para pedestres também, e continua pela Haupstraße, a rua mais fofa de Dresden.
E Dresden não é exceção. Calçadões em ruas comerciais nos centros históricos de várias outras cidades podem ser vistos nas fotos abaixo:
Mas não são só os calçadões que fazem das ruas alemãs especialmente confortáveis para pedestres (até porque calçadões no centro histórico tb não são raros no Brasil). O desenho das calçadas é muito cuidadoso, e sua execução muito precisa.
As calçadas são frequentemente arborizadas por aqui. Uma maneira de fazer isso, quando a calçada não é suficientemente larga, é pegar o espaço de uma vaga de carro (a cada x metros) para plantar uma árvore. Por exemplo nessa rua aqui:
Ou nessa:
Ou nessa:
No geral as ruas não são desenhadas tendo o carro como prioridade mór do universo, mas sim o pedestre. Um outro exemplo disso são as esquinas. Quando é permitido estacionar na rua, com freqüência a esquina é alargada, tomando o espaço das vagas, para permitir maior visibilidade tanto para o pedestre quanto para o carro, e proporcionando ainda um espaço extra para o pedestre esperar de boas para atravessar, sem ficar no caminho de quem está passando.
Também não é raro que, em algumas ruas com pouco tráfego de automóveis, não haja desnível (ou praticamente não) entre a rua e a calçada, de maneira que a rua é, de certa forma, uma extensão da calçada. É o carro que tem que dar a prioridade para os pedestres e ciclistas, claro.
E quando eu falo da execução e do acabamento: são alguns detalhes aqui e ali na construção da rua e calçada que deixa tudo mais simpático e arrumado. Por exemplo, quando é possível estacionar em um dos lados da rua, freqüentemente a área para vagas tem um piso diferente, por exemplo um paralelepípedo, pra separar visualmente essa área do leito carroçável. Nos grandes calçadões, desenhos de piso com diferentes materiais criam essa organização e delimitação do espaço sem a necessidade de bloqueios físicos e visualmente indesejáveis. Quando o bloqueio físico é necessário – por exemplo para impedir que carros entrem em calçadões – ele é feito com elementos singelos e discretos, que não atrapalham o fluxo de pedestres.

A rua asfaltada, a área para estacionar em paralelepípedo, e a área para atravessar no mesmo piso da calçada.
E às vezes são pequenos detalhes que mostram o cuidado com que esses espaços são pensados. Por exemplo nesse calçadão, como o material do piso muda em volta do mobiliário urbano, fazendo com que cada lata de lixo ou poste de luz se encaixe perfeitamente no espaço que ocupa. Mobiliário urbano é outra coisa a se elogiar também: bancos em calçadas e calçadões não são raros, e freqüentemente bem projetados. Até a maneira como a água pluvial é recolhida ao longo das ruas é feita cuidadosamente: grelhas discretas e bocas-de-lobo bem escondidas fazem o trabalho sem prejudicar visualmente o espaço.
Não sei explicar bem, mas um lugar em que eu sempre percebo esse cuidado de acabamento é no encontro da rua com o edifício. É um detalhe bobo mas faz diferença e não é fácil fazer direito. Alguns bons exemplos:
Além disso, frequentemente as calçadas e calçadões se misturam com áreas privadas dentro de lotes de edifícios diversos. Às vezes o uso público desse espaço privado é desejado e encorajado – quando por exemplo uma passagem é criada ligando duas ruas por dentro de um lote privado – às vezes indesejado e desencorajado. A grande diferença é que a separação no último caso não é feita com portões e muros hostis que tiram a permeabilidade visual dos espaços públicos mas com pequenos elementos que já avisam ao passante que aquele espaço é menos aberto – embora não completamente fechado – que o espaço público. Vegetação, desnível ou uma entrada estreita são alguns desses elementos.

Essa área é aberta mas é claramente marcada como privativa pela diferença de piso que desencoraja o transeunte a entrar.
E como já descrevi nos posts sobre bicicletas, as ruas alemãs são desenhadas para caber todo mundo – o pedestre, a bicicleta, a cadeira de rodas, o transporte público, a árvore e, quando sobra um espacinho, o carro também. Eu nunca tentei cruzar a cidade numa cadeira de rodas, mas suspeito que não seja muito difícil – não é totalmente incomum ver pessoas em cadeiras de roda sem acompanhantes por aí, e quem como eu anda quase sempre de bike também logo percebe como são incomuns calçadas sem rebaixamento na esquina. Eu posso contar nos dedos as de Dresden, são tão raras que sei exatamente onde estão.
E, talvez a coisa mais importante para o conforto visual dos cidadãos e, inclusive, sua segurança: você nunca vai ver numa cidade alemã fiação aérea. Tipo nunca. Nunca vi. Só em área rural e mesmo assim bem de vez em quando. Toda a fiação é enterrada, e que diferença gigante isso faz para a cidade. Ainda que isso não significasse uma melhoria na segurança – mas significa – só pela questão estética já faz todo o sentido ter a fiação enterrada. Estética urbana não é uma questão pequena e insignificante, ela influencia demais a qualidade de vida das pessoas. Há estudos que mostram, por exemplo, que um espaço arborizado facilita a recuperação de pacientes em hospitais, melhora a socialização entre vizinhos em um bairro, e até é responsável pela diminuição da criminalidade local. A fiação aérea prejudica demais a estética da cidade e certamente também contribui para aumentar o stress e a insatisfação das pessoas que nela moram.
Umas fotos aleatórias para terminar:
Acho que é isso que tem a ser dito sobre calçadas alemãs. Acabou ficando um post pra arquitetos, mas taí!
(Publicado em 29 de Agosto de 2015)
Moro aqui há exatamente um ano e nunca parei para reparar nisso. Adoro o blog porque me ajuda a perceber esses detalhes que vez e outra me fazem sentir bem aqui; além disso é um ótimo guia pra conhecer o que ainda não vi. Muito obrigada ^^
Adorei. Vale para as ruas de Köln, Nuremberg, Leipzig, Munich, Heidelberg.